A farmácia clínica é uma onda impossível de ser parada. Esta prática está se difundindo por todo o Brasil, principalmente nas farmácias e drogarias. Muitos destes estabelecimentos, que empregam cerca de 80% de todos os farmacêuticos brasileiros, têm investido na implantação de salas ou consultórios para a oferta dos serviços farmacêuticos. Esta prática está devidamente regulamentada por meio da RES-CFF nº 585/2013, que define consultório farmacêutico como um lugar para atendimento de pacientes, onde se realiza a consulta farmacêutica, podendo este funcionar, dentre outros locais, em farmácias comunitárias, ou seja, farmácias e drogarias, públicas ou privadas.
Os serviços farmacêuticos consistem em práticas específicas de cuidado destinadas à otimização da farmacoterapia e à promoção da saúde das pessoas. O termo “serviços farmacêuticos” é uma adaptação de conceitos primeiramente propostos em outros países, como pharmaceutical care (EUA) e atención farmacéutica (Espanha). Este conceito foi consolidado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) por meio de sua publicação intitulada “Serviços farmacêuticos diretamente destinados ao paciente, à família e à comunidade: contextualização e arcabouço conceitual” (CFF, 2016). Nesta obra, o CFF define os serviços farmacêuticos como “um conjunto de atividades organizadas em um processo de trabalho, que visa a contribuir para prevenção de doenças, promoção, a proteção e recuperação da saúde, e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas”.
Mas antes desta publicação, a RDC-ANVISA nº 44/2009 estabelece que são considerados serviços farmacêuticos passíveis de serem prestados em farmácias ou drogarias a atenção farmacêutica e a perfuração de lóbulo auricular para colocação de brincos. É possível perceber que a agência correlaciona os serviços farmacêuticos à atenção farmacêutica sem, entretanto, explicar ou esclarecer quais são os seus elementos de prática. A mesma resolução dá maior ênfase e esclarecimento à perfuração de lóbulo auricular para colocação de brincos, como se isto fosse uma prática específica e fundamental do farmacêutico.
Deixando o jogo de conceitos e definições de lado, e buscando o pragmatismo, os serviços farmacêuticos são ações realizadas com o objetivo de contribuir para que as pessoas obtenham os melhores resultados possíveis com o uso de seus medicamentos. Também é objetivo deste conjunto de práticas a promoção da saúde, por ações preventivas e de cuidado.
Cabe destacar que muitas das farmácias e drogarias que já possuem salas de serviços ou consultórios farmacêuticos ainda não praticam os serviços farmacêuticos propriamente ditos. Muitos estabelecimentos ofertam apenas “procedimentos de cuidado à saúde”, dentre os quais se destacam:
· Verificação e monitoração de parâmetros fisiológicos, como temperatura corporal e pressão arterial sistêmica;
· Determinação e monitoração de parâmetros bioquímicos, como a glicemia capilar;
· Administração de medicamentos injetáveis e inalatórios;
· Realização de pequenos curativos;
· Perfuração de lóbulo auricular para colocação de brincos.
Estes procedimentos não são de prática exclusiva de profissionais farmacêuticos. Nem tampouco se destinam especificamente à otimização da farmacoterapia. A verificação de parâmetros fisiológicos e bioquímicos pode contribuir para a monitoração farmacoterapêutica, e também para a avaliação da condição de saúde do paciente. Mas estes procedimentos não constituem serviços farmacêuticos específicos.
O CFF, por meio da sua publicação de 2016, antes citada, relaciona os nove serviços farmacêuticos específicos da profissão, destinados à otimização da farmacoterapia e à promoção da saúde. São eles:
1. Educação em saúde;
2. Rastreamento em saúde;
3. Manejo de problema de saúde autolimitado;
4. Dispensação;
5. Conciliação de medicamentos;
6. Monitorização terapêutica de medicamentos;
7. Revisão da farmacoterapia;
8. Acompanhamento farmacoterapêutico;
9. Gestão da condição de saúde.
Analisando estes itens, fica bem claro que “serviços farmacêuticos” e “procedimentos de cuidado à saúde” são ações bastante diferentes. Embora apresentem o mesmo objetivo comum de promoção da saúde, são práticas com propósitos específicos distintos. Vale destacar, também, que a oferta apenas de procedimentos de cuidado à saúde não permite um trabalho completo de otimização da farmacoterapia. Na verdade, pode-se concluir que os procedimentos de cuidado à saúde são complementares à prática dos serviços farmacêuticos, neste propósito.
Portanto, avalie criticamente se a sua farmácia ou drogaria está ofertando, de fato, serviços farmacêuticos. Ou se está apenas oferecendo procedimentos de cuidado à saúde. Com esta análise, será possível redirecionar ações e estabelecer um planejamento estratégico de cuidado farmacêutico verdadeiramente centrado nas necessidades clínicas do paciente.
Prof. Me. Lincoln M. L. Cardoso | Farmacêutico | CRF-SP 21.337